A contribuição da Loja Guatimozim para o Rito Brasileiro e a Maçonaria Brasileira

(Palestra proferida pelo Ir\ Antônio Carlos Simões - 33\ na Loja Guatimozim)


Ao iniciar a exposição – que intitulo A contribuição da Loja Guatimozim para o Rito Brasileiro e a Maçonaria Brasileira – e que faço, gostosamente, a convite desse Maçom que honra a Instituição a que pertence, o Venerável Mestre Marcos César de Oliveira, peço a todos que tenham, sempre presente, o primeiro Princípio da Cabala, que adverte:

Não creiam no que lerem ou escutarem sem a necessária comprovação; a crença deixa resíduos de dúvida e traços de ceticismo e, para que mereça convicção completa, precisa de prova.

Por isso mesmo, antes de ocupar-me do tema:

Falar da ARLS Guatimozim, no seu 21o aniversário, implica discorrer sobre temas e fatos que pela complexidade, serão apenas ventilados, como
1. a vinda do Poder Central do GOB para Brasília;
2. os Ritos que funcionavam, em Brasília, no princípio dos anos 80;
3. a Guatimozim e o preenchimento da ausência do Rito Brasileiro;
4. o primeiro contato do Rito Brasileiro com o Rito Escocês, no DF;
5. os anseios da unificação da Maçonaria Brasileira e as iniciativas do Rito Único;
6. a Guatimozim e o jornal O Rito;
7. a Era Nei do Rito Brasileiro.

A vinda do Poder Central para Brasília

Coube ao Grão Mestre Geral Osires Teixeira transferir a sede do Grande Oriente do Brasil para Brasília. Trabalho corajoso, polêmico, porém consciente que tinha, como principais objetivos:
a) reorganizar administrativamente o Grande Oriente do Brasil;
b) semear influências da Maçonaria no centro de decisões do País;
c) estudar novas estratégias e criar cenários para a Maçonaria, em relação aos espaços que os Maçons deixaram de ocupar, no ambiente político e de Governo, desde a primeira fase da República.

Tão logo assumiu o Grão Mestrado Geral, em 24 de junho de 1978, o Senador Osires Teixeira tratou da mudança da sede do Grande Oriente do Brasil para Brasília. Levantaram-se protestos e resistências de quantos pretendiam manter a Maçonaria Gobiana sediada no Palácio do Lavradio, Rio de Janeiro. Com a transferência, o Grão-Mestre pretendia realizar ampla e total reorganização do modelo antiquado de administração do Grande Oriente, que ele considerava longe, muito longe, dos padrões de eficiência e qualidade. Sonhava ele em preparar a Maçonaria Brasileira para os cenários de excelência administrativa que o Século XXI iria impor, como está impondo.

Incompreensões de todo tipo impediram que Osiris tornasse o GOB, em Brasília, espetacular laboratório da Maçonaria do Futuro, pragmática e consciente da necessidade de assumir as responsabilidades que lhe cabem, no que tange à Fraternidade Maçônica e à sobrevivência da vida na Terra. Entendia o Grão-Mestre Geral que o exercício do poder é inerente à Maçonaria, em cada País. Há indiscutível correlação entre país hegemônico e a correspondente Maçonaria forte, embora a Instituição Maçônica não se interesse em aparecer. Para esse tipo de Maçonaria e de Poder, Osires pretendia que a Arte Real se dedicasse ao estudo do futuro, para tentar alterá-lo, mediante o conhecimento do passado e do presente. Daí a necessidade da reorganização administrativa do Grande Oriente do Brasil, que deveria, rapidamente, tecer grande teia de influências da Maçonaria no centro de decisões do País. Ao lado disso, grupo intelectual de alto nível deveria estudar novas estratégias e criar cenários para a Maçonaria, em relação ao espaço que os Maçons deixaram vago na política e no Governo do País e dos Estados, desde o princípio do Século XX.

Para esse tipo de Maçonaria e de Poder, Osiris pretendia, com o apoio de círculos universitários e empresariais do País levar a Arte Real sediada em Brasília a dedicar-se ao estudo da Maçonaria do amanhã, para fortalecê-la a partir do conhecimento do passado e das experiências do presente. Daí a necessidade que via de reorganizar administrativamente o Grande Oriente do Brasil, Potência que ele pretendia tornar, em curto prazo, em imensa teia de influências no centro de decisões do País.

Tive oportunidade de, no Gabinete de Osires, no Senado Federal, conversar sobre o projeto para constituir amplo grupo intelectual de alto nível para o estudo de estratégias e parcerias objetivando, principalmente, a criação de cenários para a Maçonaria Brasileira em relação ao espaço que os Maçons deixaram vago, na política e no Governo do País e dos Estados, desde o princípio do Século XX. Indagava ele, em 1980:

Quem poderá dizer como será a nossa Maçonaria daqui a vinte anos? Se, desde agora, não os preocuparmos com isso, como vai ser a nossa Instituição no Século XXI? É preciso, portanto, alterarmos agora essa passividade prejudicial que leva a ambições menores e incompatíveis com o nosso passado e que nos angustia, em face do devir.

Esvaiu-se o sonho de Osiris. Fracassou a revolução administrativa pretendida pelo Grão-Mestre. A esse desencanto juntaram-se irrealizações estratégicas, políticas, econômicas e sociais da Maçonaria Brasileira. O trabalho de Osiris prosseguiu no desassombro de Jair de Assis Ribeiro, o emérito construtor do Palácio do Grande Oriente do Brasil, na quadra 913 Sul, de Brasília. Assis Ribeiro chegou a constituir grupo de alto nível intelectual para estudar o futuro da Maçonaria Brasileira, iniciativa que foi abandonada.

Mas, no dia 7 de junho de 1981, ainda na administração de Osiris Teixeira, o Rito Brasileiro foi implantado no Distrito Federal, tendo como semente a Augusta e Respeitável Loja Simbólica Guatimozim, nº 2.107.

O Rito brasileiro chega a Brasília

No princípio dos anos 80 do Século XX estavam sem Oficinas, no Poder Central do GOB, os Ritos Brasileiro, Moderno, Shröeder e York. Inúmeros eram os problemas que envolviam o Grande Oriente do Brasil. Enormes eram as questões prejudiciais apresentadas ao cotidiano do Grão-Mestre.

Ivaldo de Melo Medeiros descreve, em palestra proferida no dia 7 de junho de 1990 – que publiquei como Anexo VI, pag. 287/294 do livro O Rito Brasileiro (uma visão da Maçonaria Social ou 4º Período Histórico da Maçonaria), de minha autoria, editado pela "A Gazeta Maçônica" , São Paulo, 1999 – relembranças da fundação da Guatimozim, hoje circundada pela Pioneiros de Brasília, Pioneiros do Progresso, João Rosário Dória, Acácia da Montanha e Joferlino Miranda Pontes. A Guatimozim, também, é o Big Bang gerador do Sublime Capítulo Rosa Cruz Príncipes do Silêncio, do Grande Conselho Kadosh Filosófico Templários da Luz e do Alto Colégio Hamilton de Holanda Vasconcelos. Do total de Oficinas, deixaram de ser regularizadas, por motivos dessemelhantes,

Como se pode verificar, a Guatimozim foi a matéria original de mais seis Lojas Simbólicas – das quais apenas uma deixou de existir – e de cinco Oficinas filosóficas, das quais funcionam três.

Todavia, considero extraordinária contribuição da Loja Guatimozim ao Rito Brasileiro o fato inusitado ocorrido em 1987, quando ganhava estrutura e força a Constituição do Grande Oriente do Brasil de 1990. O texto fundamental, naquele momento, era alinhavado nas Comissões da Constituinte, em funcionamento conjunto com a Soberana Assembléia Federal Legislativa. Circulavam, entre poucos, as chamadas "Emendas de cláusulas pétreas". Uma dessas Emendas tinha carregamento altamente explosivo, mas foi abortada, pelo jornal O Rito. Ela estabelecia a prática de Rito único pelo Grande Oriente do Brasil.

A Maçonaria internacional tem conhecimento de que o Grande Oriente do Brasil acomoda seis Ritos: o Adhoniramita, o Brasileiro, o Escocês, o Francês ou Moderno, o Schröder e o de York. Mas, aproveitando-se da euforia decorrente da elaboração de novo texto constitucional, um grupo liderado pelo prestigioso e competente Maçom Sílvio Cláudio, do Rio de Janeiro – como ainda se recorda o Grande Irmão Jorge Nassif Salomão, então presidente da Soberana Assembléia e da Constituinte – pretendia eliminar cinco Ritos. Diziam-se "unicistas" os signatários da proposição, cujo discurso proclamava a parodoxal "união maçônica". De nada lhes interessava a crise divisionista que ainda atingia o GOB e que, inevitavelmente, se aprofundaria. Os "unicistas" pretendiam abrir caminho para utópica junção do Grande Oriente do Brasil com as Grandes Lojas. Assumiam estranha contabilidade, que não computava as perdas, o "deve"; sonhava, apenas, com supostos ganhos, o "haver".

No dia em que risinhos e batidinhas na barriga antecipavam a aprovação da Emenda, O Rito chegou aos Constituintes. Alertava para a verdade histórica, mostrando que o GOB não poderia perder a beleza dos Ritos cujo Simbolismo tradicionalmente ampara sob sua legenda Novae sed antiquae.

O saudoso e grande parlamentar e Maçom Adolpho de Oliveira, Á época Deputado Federal pela Arena e também constituinte do GOB, ao receber o exemplar de O Rito, jornal editado por mim e pelo Irmão Iratan, ambos da Guatimozim, ficou surpreso. Confessou-me desconhecer as implicações da Emenda: informaram-lhe que tudo tinha sido acertado e os Ritos estariam concordes. Considerou "irregular" a Emenda. Mandou arquivá-la.

Ainda o jornal O Rito, que publicou longa entrevista com o Delegado do Rito Escocês no DF, o Irmão Demétrius Nicolas Hadjinikolao, tomou a si o esclarecimento de questões fundamentais, à época. Alguns extravagantes alardeavam o Rito Brasileiro como ilegítimo, irregular e espúrio; o jornal O Rito demonstrou a insuficiência dos conhecimentos maçônicos dos agressores. Foi assim que o Rito Brasileiro ficou definitivamente posto como criação única do GOB, Potência Simbólica. A campanha retornou ao nada, de onde saíra. Hoje parece esquecida, mas ... há muita água passando por debaixo da ponte.

O ambiente maçônico do princípio da década de 1980 refletia as incertezas e intranqüilidade do que ocorria por todo o universo maçônico do País. O Grande Oriente do Distrito Federal ainda integrava o Grande Oriente Independente, com as Lojas que lhe eram vinculadas. As Oficinas que não pertenciam nem ao GODF, nem às Grades Lojas funcionavam, em Brasília, diretamente vinculadas ao Grande Oriente do Brasil. Foi em tal cenário de intensas negociações e de tensas expectativas que despontou o Rito Brasileiro na Capital da República.

Há muita ocorrência, aparentemente sem importância, mas que, pelo menos, é bom constar de registros. Por exemplo: certo dia, o Delegado do Rito Escocês, o já referido Irmão Nicolas Demétrius Hadjinikolao, hoje no Oriente Eterno, convidou o Secretário de Orientação Ritualística do GOB, Fagundes de Oliveira, para acompanhá-lo ao aeroporto. Iria receber, como disse a Fagundes, "um grande amigo e Irmão", funcionário do Ministério da Fazenda, transferido para Brasília.

Desceu do avião aquele Maçom, que o Secretário de Ritualística não conhecia e que lhe foi apresentado por Nicola com sendo Marco Antônio Wolovisk Braga. Cumprimentos feitos, veio a conversa alegre. Pouco depois, Nicola e Marco Antônio se desentenderam. Fagundes interveio:
--- Não estou compreendendo. Vocês são Irmmãos e amigos; mal acabam de se reencontrar e já estão discutindo?
--- Esse meu Irmão, respondeu Nicolas, vemm me dizer que vai fundar Loja do Rito Brasileiro aqui, em Brasília. Está certo isso?

Meses depois, Marco Antônio e Iratan começaram a batalha pelo Rito Brasileiro, no Distrito Federal. Fora lançada a semente da Guatimozim, uma instância da ritualística brasiliana, com o nome de um rei sacrificado por invasores europeus, cujo exemplo foi lembrado por outro rei, que assumiu o nome do mártir e se dispôs a sacrificar-se pela nação que adotara como sua.

Fundar uma Loja do Rito Brasileiro, no DF, há 21 anos, exigia aquela mesma participação dos demais Ritos Maçônicos obtida pelo Grão-Mestre Lauro Sodré, em 1914, para fundar o Rito Brasileiro. No particular, Marco Antônio e Iratan investiram-se de habilidade para recolher, nas Lojas dos Ritos Escocês e Adhorinamita, Maçons da estirpe de Ivaldo Medeiros, Antônio Pessoa de Almeida, Guilherme Fagundes de Oliveira, Ivan Lima Verde e outros. A Maçonaria participativa foi, mais uma vez, posta em prática.

A força que impeliu os fundadores assentou-se na Esperança. Jamais faltou a Esperança de que a Guatimozim seria o Um da expansão do Rito Brasileiro na Capital Federal, da mesma forma que do dia Um da Torá partiu a Criação. Note-se: Moisés não escreveu no Gênesis primeiro dia. Refere segundo, terceiro, quarto, quinto, sexto e sétimo. Indica o Um, do qual vieram o segundo e os outros ordinais. A Guatimozim foi esse Um da criação do Rito Brasileiro, lindo, pleno de Sabedoria, Força e Beleza, no Distrito Federal.

Quando fui recebido na Guatimozim, procedente da minha Loja Renascença no 3, de Belém, Grandes Lojas do Pará, da qual me afastara, em virtude de obrigações profanas, desde 1956, jamais fui tido em desconfiança.

Pelo contrário, os Irmãos que me acolheram fraternalmente, de mim fizeram --- em instantes de extremas dificuldades pessoais que me ocorriam --- o terceiro Venerável Mestre da Oficina que, ao completar 21 anos, acompanha o fantástico trabalho realizado no decorrer dessa que eu chamo Era Nei que, humildemente, leva o Rito Brasileiro a todos os quadrantes do País e, também, com humildade, recebeu a ajuda da Guatimozim para implantar-se.

O Soberano Grande Primaz Nei Inocêncio dos Santos, sem alarde,

Agradeço por me ouvirem. Sabedoria, Força e Beleza a todos.

 

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